sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Clichês

Rio e Pittsburgh, por incrível que pareça, tem muito em comum. Primeiro: são cidades cuja beleza natural salta aos olhos. Parques, árvores, flores e montanhas estão por todo lugar que a vista alcança. Segundo: ambas são reféns de seus próprios clichês.

No Rio, são as bundas de Ipanema, as mulatas, a terra do sexo fácil e do futebol. E cadê a economia fluminense, minha gente?!?! Cadê a sede da Vale do Rio Doce e da Petrobras, duas das maiores companhias verde-e-amarelas?!?!

Em Pittsburgh, é a indústria do aço e a imagem de poluição e dias cinzentos. Essa, no entanto, é uma realidade distante a anos luz da atual. A cidade vive hoje da alta tecnologia (como robótica), da indústria de saúde (aqui estão alguns dos melhores hospitais dos EUA) e da educação (a cidade é sede de grandes universidades, que são algumas das maiores empregadoras da região). Aqui está a sede de sete das 500 maiores empresas americanas - o que coloca Pittsburgh como a sexta maior do país em concentração de grandes corporações.

Mas, é difícil superar os clichês a primeira vista. Por isso, essas são também terras de contrastes, em que os clichês batem de frente com a realidade de fato. E essa, só conhece quem tem a chance de viver o dia-a-dia dessas duas cidades.

A tale of two cities. Ou, em bom português, uma brasileira em Pittsburgh!

No século XIX, Charles Dickens escreveu A tale of two cities (Um conto de duas cidades, em português). O cenário é a Revolução Francesa e a trama, que divide-se entre Londres e Paris, tem um pouco de tudo: culpa, corrupção, retribuição, morte e ressurreição – temas que aparecem em outros livros de Dickens.

Impossível não lembrar do livro agora, ao embarcar de cabeça na aventura de viver dois anos no exterior. Muito mal comparando, me sinto assim, num conto de duas cidades. No caso, Rio e Pittsburgh. A primeira, a cidade onde nasci e cresci. A segunda, onde passarei os próximos dois anos…

Do Rio, trago lembranças de uma infância feliz, mescladas com uma combalida esperança de que, algum dia, as coisas mudem e a cidade volte a ser um lugar seguro para se morar e se criar os filhos, onde haja vontade política de virar o jogo. Para Pittsburgh, trago a esperança de dias melhores, mais tranqüilos, mas também de muita expectativa.

E, nesse momento de mudança, impossível não recordar o início memorável da trama de Dickens:

“Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença, foi a época da descrença, foi a estação da Luz, a estação das Trevas, a primavera da esperança, o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós, íamos todos direto para o Paraíso, marchávamos todos na direção oposta”.

É assim que me sinto: entre a esperança (de que as coisas mudem no Brasil, de que os anos nos EUA sejam felizes) e o desespero (pela distância da família e dos amigos e pelo caminho que as coisas tomaram no Rio).

Que vença o primeiro!