segunda-feira, 14 de julho de 2008

NHS, o sistema de saúde inglês - parte I

Para quem mora em Pittsburgh - eleita, em 2007, a melhor cidade para se viver nos EUA (http://www.post-gazette.com/pg/07116/781162-53.stm) e casa de um dos melhores hospitais americanos(http://www.upmc.com/Communications/MediaRelations/NewsReleaseArchives/2007/July/USNewsBestHospitals.htm) - é frustrante deparar-se com o sistema de saúde público da Inglaterra.

A proposta do NHS - National Health Service (http://www.nhs.uk/aboutnhs/Pages/About.aspx) - é garantir a todos o acesso a medicina de qualidade, desde o tratamento de uma simples gripe, passando por cirurgias e tratamentos de emergência. Mas, tudo isso é muito bonito no papel. Na prática, o buraco é bem mais embaixo.

Coloquei o sistema à prova no mês passado e não gostei nem um pouco do que eu vi. A princípio, parecia tudo muito simples. Você entra no site do NHS, se cadastra no sistema público de saúde e escolhe uma clínica na sua área. Basta digitar o CEP e o site localiza todas as clínicas a uma distância x da sua casa. Minha primeira impressão não poderia ser melhor. Em questão de minutos eu estava no sistema e de posse de uma lista de clínicas a escolher. Melhor: era possível ver o currículo de alguns médicos online, o que facilita bastante uma escolha assim, sem referências, às escuras. Escolhi uma clínica a 0.5 milhas aqui de casa, com médicos especializados em saúde da mulher, saúde do homem e também pediatras. Assim, todos aqui estavam cobertos.

Uma dor intermitente na perna que vinha me incomodando há semanas e tornando meus passeios londrinos cada vez mais difíceis parecia a oportunidade perfeita para ver como o NHS funcionava na prática. Mas, como boa brasileira, fui deixando para a última hora até que, já não aguentando mais de dor (que agora já chegava até a base da coluna) e mal conseguindo sentar ou ficar em pé por mais de cinco minutos, resolvi recorrer ao sistema público inglês. E aqui, tudo passa antes pelo clínico geral.

Anotei o endereço da clínica e lá fui. Chegando lá, passaporte e comprovante de residência na mão - just in case, precavida que sou - perguntei o que era preciso para o atendimento de emergência.

"Vc é registrada no NHS?", me perguntou a recepcionista, sem muita paciência.

"Sim, fiz o registro online", respondi, morrendo de dor e mal suportando ficar em pé.

"Online? Não serve. Você tem registro aqui?"

"Não. Posso fazer um agora?"

"Onde você mora?"

"SW7"

"Ah, não podemos atendê-la. Você tem que procurar uma clínica na sua àrea"

"Mas eu procurei no site do NHS e a busca me indicou essa clínica como uma das que atendia o meu CEP"

"Não, sinto muito. O site deve ter errado. Você não pode ser atendida aqui"

Quando a esmola é demais, o santo desconfia. Claro que a coisa toda não poderia ser tão simples e o site do NHS tinha que dar o endreço errado. Surreal.

Uma outra recepcionista, talvez sensibilizada pela minha expressão de dor, catou um papel e marcou com caneta quatro endereços. Eram clínicas que, segundo ela, cobriam o meu CEP e poderiam me atender. Agradeci e segui meu caminho, com a dor ficando cada vez mais forte.

Olhei no mapa e lá fui para a primeira clínica marcada. Balde de água fria. Eles só faziam planejamento familiar. Voltei à folhinha da recepcionista e resolvi tentar a segunda clínica. Foram 15 minutos andando - com a dor cada vez pior, subindo pelas costas - e nova negativa: "Não, não atendemos seu CEP". Dez minutos depois, nova clínica e, surpresa: não cobriam a minha área. Detalhe: o maldito papelzinho do NHS dizia que aquelas eram as clínicas que atendiam a minha região.

Com minha paciência cada vez menor, segui para a quarta clínica.

"Vocês atendem SW7?"

"Sim. Você tem registro?"

"Só no site"

"Identidade e comprovante de endereço, por favor"

Eu suava frio de dor ao entregar os documentos à recepcionista, mas tentava me consolar pensando que logo seria atendida.

"Não posso fazer seu registro"

"Por que?"

"Seu contrato de locação (meu comprovante de residência) venceu ontem"

Tínhamos assinado um contrato temporário - caso não gostássemos do apartamento, que foi alugado à distância - e depois o renovamos até agosto. O contrato nas mãos dela era esse primeiro. Expliquei a situação e perguntei se, como era uma emergência - eu agora mal conseguia ficar em pé e me contorcia de dor após a peregrinação pelas clínicas - eu não poderia trazer o contrato atualizado depois.

"Não"

Ela folheou meu passaporte e topou com o carimbo da imigração.

"Aí mostra que posso ficar na Inglaterra por seis meses"

"Não basta"

Lembrei então do documento que tinha pego na saída de casa. Era uma carta do banco, nos agradecendo pela escolha do Barclays como nossa instituição financeira, falando serviços disponíveis e tal. Pensei: deve servir como comprovante. Lá estava, num papel com o selo do banco e com data de alguns dias atrás, meu nome e endereço.

"Desculpe, não posso aceitá-lo"

"Posso perguntar o motivo? O documento tem data, meu nome e meu endereço"

"Só podemos aceitar extratos bancários"

"Mas eu acabei de abrir a conta. Ainda não recebi o extrato mensal"

"Sinto muito"

"Mas aí consta o meu endereço e o meu nome"

"Sinto muito. A senhora terá que voltar outra hora"

"Mas eu estou morrendo de dor e mal consigo andar, preciso ser atendida por um médico"

"Sinto muito"

Eu só me lembrava, nessa hora, da Carol e do Gus, que sofrem com o sistema público de saúde do Canadá - onde, infelizmente, as coisas são bem, bem piores do que em Londres (http://carolgustoronto.blogspot.com/2008/06/canad-sade-e-imigrao.html). E me deu uma saudade enorme de Pittsburgh...

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