sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Ainda sobre amamentação nos EUA - quando alimentar seu filho é caso de polícia (mesmo)

Engana-se quem pensa que a sexualização e a condenação da amamentação pública - como visto no caso recente da atriz Salma Hayek (na foto acima, amamentando um bebê africano em Serra Leoa) - é coisa de gente sem instrução. A apresentadora Barbara Walters, ícone do jornalismo americano, virou notícia há quase quatro anos quando, em seu programa, The View, ela disse ter ficado incomodada com uma mulher que estava amamentando seu filho ao seu lado, num avião.

Em protesto, centenas de mulheres - por aqui, chamadas de lactivists, misto de lactação com activista - foram às ruas de Nova York com seus bebês nos braços e os amamentaram em frente à sede da rede ABC, onde Walters trabalha. O apresentador e comentarista político Bill O'Reilly, da Fox News, saiu em defesa de Walters e também se disse ultrajado ao ver uma mulher amamentando em público.

Já vi várias mulheres sendo "convidadas" a amamentar no banheiro de restaurantes e lojas aqui nos Estados Unidos. Mas, vamos ser razoáveis: alguém, por acaso, come no banheiro? Além disso, banheiros não costumam ser os lugares mais limpos do mundo e, portanto, pouco indicados para se levar um recém-nascido.

Verdade seja dita, alguns hospitais americanos estão fazendo um belíssimo trabalho de educação quanto o assunto é amamentação. O Magee Women's Hospital aqui de Pittsburgh é um deles.

Oito horas após o parto da minha filha - que foi no início da madrugada - uma consultora de lactação do Magee foi até o meu quarto falar dos benefícios da amamentação, da importância de se amamentar um bebê prematuro, do aleitamento exclusivo, da necessidade de se usar a bomba elétrica no início para aumentar a produção de leite, etc.

E, nos três meses que minha filha passou na UTI neonatal, elas estavam de plantão dia e noite para tirar dúvidas pessoalmente ou por telefone. Ainda assim, a mentalidade americana - praticidade, praticidade, praticidade - estava lá. Várias vezes tive que comprar briga com as enfermeiras que insistiam em deixar algumas garrafinhas de fórmula no quarto da minha filha, just in case.

Escutei algumas vezes de enfermeiras: "Ah, uma garrafinha de fórmula não faz mal se vc quiser um dia dormir até mais tarde e não puder estar aqui ou o seu estoque de leite (que ficava num congelador na UTI) acabar de madrugada". Ou seja, o conflito que vivíamos diariamente naquela UTI era o mais puro exemplo das contradições que cercam a amamentação aqui nos EUA.

O tema da amamentação é bastante controverso. A revista BabyTalk - na linha da brasileira Pais e Filhos - foi muito criticada há dois anos e meio por publicar na capa a foto de um bebê sendo amamentado. O seio mal estava à mostra, como se pode ver na imagem ao lado. Mas, numa pesquisa feita junto a 4 mil leitores (em sua maioria, mães), mais de 25% disseram que a capa era "sexual demais, negativa, imprópria e ofensiva".

Em 2007, o site MySpace.com retirou do ar várias imagens de mulheres amamentando seus filhos por considerá-las impróprias e "sexuais demais", além de "violar as políticas do site em relação a nudez e imagens que sugerem sexo". Tudo começou com Melissa Rocks. A foto ao lado foi retirada do site diversas vezes pois sempre que era deletada, Rocks a publicava novamente. Por fim, o MySpace.com ameaçou deletar seu perfil caso ela não parasse de colocar a foto no site.

Amamentar dá cadeia

Fato é que amamentar na terra do Tio Sam pode ser mesmo um caso de polícia. Literalmente. Em 2003, no Texas, a peruana Jacqueline Mercado perdeu temporariamente a guarda dos seus filhos após mandar revelar fotos em que os amamentava. Um funcionário da loja onde as imagens foram reveladas denunciou Mercado e o pai das crianças, Johnny Fernandez, por "ato sexual com menor", crime com pena de até 20 anos de prisão. Ela levou seis meses para recuperar a guarda das crianças.

A questão é que não há leis claras proibindo a amamentação em público nos EUA - na verdade, apenas dois estados têm leis com restrições a respeito: Illinois e Missouri - e é aí que mora o perigo. Sem legislação clara que proteja o direito das mulheres amamentarem em público, as mães ficam a mercê dos donos dos estabelecimentos, que podem pedir que se retirem, por exemplo. Caso se neguem a deixar o local, podem ser presas por invasão de propriedade. Se estiverem num parque, podem ser denunciadas por cidadãos que se sentirem ofendidos por atentado ao pudor.

Trocando em miúdos: você tem direito de fazer o que quiser, se não for proibido por lei, mas como a própria lei não protege esse seu direito com regras claras para a amamentação em público, exercê-lo é limitado à boa vontade alheia. É uma zona cinzenta que dá margem a casos como o da mãe peruana.

Também no Texas, há dois anos uma mulher foi ameaçada de expulsão da Casa Ronald McDonald de Houston porque estava amamentando o filho de 17 meses nas áreas comuns do prédio. Detalhe: o menino tinha acabado de ser operado de um tumor no cérebro e estava chorando de dor e a único alimento que ele podia tolerar era o leite materno. Como o quarto da família ficava no terceiro andar do prédio e o elevador era antigo e bastante lento, a mãe decidiu amamentá-lo assim que entou na casa.

Quem já teve um filho pequeno submetido a cirurgia, como eu, aprende que, por causa da anestesia geral, a única coisa que as crianças podem ingerir - fora soro - nas primeiras horas do pós-operatório é leite materno, que é facilmente digerido pelo organismo, sem maiores complicações, ao contrário de fórmula e papinha. E, quando voltam da cirurgia, as crianças estão assustadas pois a anestesia as deixa grogues e elas acordam longe dos pais. Então, o peito, além de alimentar, as acalma.

No Texas, uma mulher pode amamentar seu bebê em qualquer local em que sua presença seja permitida. No entanto, não há penas para a violação desse direito, como acontece na maioria dos estados. Há alguns anos, em Vermont - que protege o direito da mãe de amamamentar - Emily Gillette foi explusa de um vôo da Freedom Airlines pois amamentava seu filho a bordo.

Aqui na Pennsylvania não há leis que garantam à mulher o direito de amamentar em público. Por isso, há dois anos, os seguranças do shopping Berkshire Mall, em Wyomissing, pediram que Leigh Bellini se cobrisse ou deixasse o local. À época, ela disse que o seio estava perfeitamente coberto, o que não justificava a abordagem da segurança do local. Dias depois, centenas de mães foram ao shopping e amamentaram seus bebês em público, em protesto.

A última polêmica em torno da amamentação diz respeito à atriz Kelly Rutherford (foto ao lado), da série Gossip Girl. Ela, que está grávida do segundo filho, enfrenta um divórcio conturbado. O marido pede a guarda do primogênito e, entre as justificativas, diz que não é normal ela ainda amamentar o menino, de dois anos. Quando o assunto veio a público, choveram críticas à atriz.

Enquanto a sociedade americana não mudar a mentalidade em relação à amamentação, vai ser complicado querer que cada vez mais mulheres amamentem seus filhos, o que garante poderosos anticorpos às crianças, que ficam menos doentes (minha filha, por exemplo, nunca teve uma simples gripe, apesar de nascer super prematura). Amamentar também diminui o risco de obesidade infantil e hipertensão, ajuda a regular os intestinos dos bebês, fortalece os músculos faciais, reduz a chance de a criança desenvolver alergias, entre outras coisas. Para as mães, ajuda a queimar calorias e ainda acelera a volta do útero à posição original devido às contrações geradas pelo movimento de sucção. Mais que tudo isso: é um ato de amor que ajuda a aproximar mãe e filho.

Por tudo isso, iniciativas de instituições como La Leche League (LLL) - organização que incentiva a amamentação aqui nos EUA, num trabalho parecido com o Amigas do Peito no Brasil - são tão importantes. A LLL estimula a amamentação, tem consultoras que ajudam as mães a enfrentar problemas comuns na lactação de recém-nascidos, fóruns onde mães podem trocar experiências e livros que ajudam a tirar dúvidas.

A LLL faz um belo trabalho também de conscientização de mães adotivas: sim, caso desejem, elas também podem amamentar seus filhos.

Mais informações sobre como amamentar bebês adotivos podem ser encontradas no site Adoption.com.

Um comentário:

Tata Renaux disse...

Oi Paty,
É um absurdo como eles conseguem sexualizar algo tão lindo... Dia 9 de janeiro foi aprovada a lei que permite amamentar em público aqui em Massachusetts. Antes tarde do que nunca... Beijosss!