sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

EUA, onde amamentar é tabu

Quando o assunto é amamentação, os Estados Unidos são o mais puro símbolo da contradição. Ao mesmo tempo em que o país quer mais mulheres amamentando, os conservadores americanos sexualizam a amamentação e condenam quem opta pelo aleitamento prolongado (isto é, além do primeiro ano de vida do bebê) ou a simples amamentação em local público. Se você ainda dá o peito a seu filho de mais de seis meses, está arriscada a receber fulminantes olhares reprovadores pois isso não é encarado como algo natural - pois, aos seis meses, a criança já pode comer papinha.

O programa Off Q, do canal WQED, conhecido por dissecar os assuntos mais quentes e polêmicos da semana, dedicou boa parte da edição de hoje à notícia de que a atriz Salma Hayek havia amamentado um bebê africano em visita recente a Serra Leoa, na África. Como a mãe não tinha mais leite e a criança chorava de fome, Hayek - que ainda amamenta a filha Valentina, de 17 meses - não pensou duas vezes e levou o bebê ao peito.

Um dos vídeos com a visita e imagens da atriz amamentando o pequeno já teve mais de cem mil acessos no You Tube. Aqui nos EUA, houve quem apoiasse a decisão da Hayek de alimentar o bebê recém-nascido. Mas, em geral, vi mais críticas do que elogios. A questão não está tanto em amamentar outra criança que não sua filha, já que a amamentação cruzada não é recomendada aqui nos EUA pois a mulher pode passar algumas doenças, como o vírus HIV, para o bebê.

O que chocou foi o fato de que Hayek ainda está levando a filha de um ano e meio ao peito. Teve quem dissesse que isso não era normal, mas sim imoral, impróprio, um símbolo de exploração infantil (os americanos adoram a palavra abuse) e até mesmo um sinal de incesto.

A questão é que os americanos sexualizaram a amamentação e não conseguem encarar com naturalidade o que é, por si só, natural: somos mamíferos e, como tais, amamentamos nossos filhotes, assim como tantos outros animais.

No ano passado, Angelina Jolie também causou enorme polêmica quando apareceu na capa da revista W com parte do seio descoberto. Na foto, via-se uma mãozinha de bebê repousando no colo da atriz, que acabara de dar à luz gêmeos. Choveram críticas. A foto foi classificada como imprópria e de mau gosto, entre outras coisas.

Nos dois casos, houve quem achasse que o problema está no fato de Hayek e Jolie serem dois símbolos sexuais e, por isso, a visão das suas amamentando é um banho de água fria nas fantasias masculinas.

Cá com os meus botões, acho que o buraco é bem mais embaixo. Como mãe a favor da amamentação prolongada - amamentei minha filha até os 16 meses - tenho frescos na memória os olhares de reprovação de outras mulheres quando, por força das circunstâncias, tinha que dar o peito em público.

Veja bem, como dizem uns amigos, nunca fui muito fã do estilo Animal Planet que é tão condenado por aqui: sempre dava o peito perfeitamente coberta, usando uma mantinha sobre o bebê (como, aliás, fazem várias americanas; é difícil de ver alguém aqui amamentando descoberta, como no Brasil). Não importava. A visão de uma mulher amamentando em público é, em geral, ultrajante para os americanos mais conservadores, que classificam o ato como sexual. No entanto, isso não deixa de causar estranheza, especialmente porque, para muitos americanos, sexo oral não é considerado sexo - basta lembrar do ex-presidente Bill Clinton e suas justificativas sobre o caso Monica Lewinski. Então, por que amamentar seria sexual?

Healthy People 2010

A questão toda bate de frente com as ambiciosas metas do governo americano estabelecidas no programa Healthy People 2010, entre elas, um aumento no número de mães que amamentam. Ele inclui uma série de iniciativas que têm como objetivo tornar a população mais saudável, assim como aumentar sua qualidade de vida.

Dados do governo mostram que, há dez anos, 64% das americanas amamentavam seus bebês recém-nascidos. O objetivo do programa é elevar essa taxa para 75% no ano que vem. Em 1998, 29% davam o peito aos filhos até que eles completassem seis meses de vida e 16% até um ano. A meta é que esses números cheguem a 50% e 25%, respectivamente. Vai ser difícil se a mentalidade do americano médio não mudar e amamentar continar sendo um tabu.

Abaixo, o vídeo de Hayek amamentando o bebê africano.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sempre observei nos programas veiculados no Discovey Home&Health que as mães não amamentavam seus recém-nascidos e já tacavam mamadeirinha nos pobrezinhos...cheguei a imaginar que fosse realmente cultural, mas só ao ler seu texto tive a confirmação.
Só tenho uma frase para descrever essa atitude: PERVERT são eles , que sexualizam tudo! A doença desse povo é, acima de tudo, a ignorância! Talvez isso explique duas coisas: os absurdos níves de obesidade no país, que certamente têm origem nos péssimos hábitos alimentares desde a mais tenra idade...e essa obsessão por seios, possivelmente por terem sido privados desse ato tãao natural que é o breast feeding!